A minha decisão de participar no PBP 2023 foi precedida da decisão de não participar.

Manuel Miranda
Randonneurs Portugal Nº 20100007
Paris Brest Paris 2023

José Ferreira Randonneurs Portugal Nº201300045 Paris Brest Paris 2019

Esta crónica, para além de fazer o registo do contexto em que aconteceu a minha 3ª participação no PBP, espero que possa ser útil para ajudar alguém a tomar as melhores decisões, para superar o desafio do PBP.

A minha decisão de participar no PBP 2023 foi precedida da decisão de não participar. Isto aconteceu porque aquando da minha participação no LEL, pedalei mais horas de noite do que tinha planeado, o que me desagradou. Ainda em 2022 e com essa memória bastante presente, não estava motivado para fazer brevets que implicassem pedalar a noite inteira, como os 400, 600 e naturalmente o PBP.

Entretanto anuncia-se o próximo PBP (2023), pondo em destaque a festa da 20ª edição, o alargamento do número de participantes para 8.000, ou seja a 20ª edição prometia mesmo ser marcante.

Começo a ficar inconformado com a decisão tomada da não participação nesta edição do PBP, e até a duvidar das razões que sustentavam a decisão tomada e quem sabe a possibilidade de a reverter (se reforçasse as horas de descanso na véspera… afinal para fazer a série de brevets de qualificação eram só dois brevets que obrigavam a pedalar a noite inteira, um 400 e um 600…).

Revertida a decisão, havia algumas questões essenciais a tratar: não falhar a série de brevets de qualificação, estar atento à pré-inscrição, agendar com a família as datas das férias, procurar alojamento num sítio aprazível para todos (a opção desta vez foi Versalhes, por ser a meio caminho entre Rambouillet e Paris) e acompanhar a oscilação dos preços dos voos em várias companhias de aviação em constante sobe e desce.

Logo que fosse conhecido o percurso desta edição do PBP, impunha-se também fechar um plano de andamentos/descanso; de um modo geral o plano seria afinar o das minhas duas participações anteriores, 2015 e 2019, ou seja, saída ao fim da tarde e dividir a distância em 600 + 300 + 300. Concretamente a primeira paragem para dormir é Brest, e o regresso em dois dias, com pernoita em Fougères. No entanto estava também assente que este plano não representava nenhuma imposição, era apenas uma das possibilidades, caso não surgissem imprevistos ou avarias.

Estas decisões foram sendo partilhadas com o meu amigo José Ferreira, também na altura candidato a participante neste PBP, e que estava a definir um plano semelhante mas mais um requintado, que era dormir as duas noites em hotel; a ideia agradou-me e acabamos por partilhar o quarto, o que efetivamente veio a mostrar-se muito importante, pois proporcionou um descanso mais reparador.

Até lá, também não podia permitir que o dia 20 de agosto chegasse “de repente”, e me apanhasse sem o meu “trabalho de casa” feito, em termos de marca de km anuais percorridos. 8000, seria o número de quilómetros até ao PBP; assim aconteceu, num crescendo do valor km/mês ao longo do ano (3200 em junho e julho).

E é assim que no dia 18 de agosto (sexta feira) chego ao aeroporto Charles de Gaulle, focado nas seguintes tarefas até à hora de saída: – sexta feira, montar e afinar a bicicleta e dormir; – sábado, ir Rambouillet levantar a documentação, comer e dormir; – no domingo, de manhã, dormir, comer e dormir, e de tarde estar em Rambouillet à hora marcada, pronto para partir; isto e nada mais.

Vai-se formando uma mancha crescente de ciclistas à volta da placa da letra “G”; alguma tensão, poucas palavras, passam-se em revisão mental as últimas tarefas enquanto vamos sendo encaminhados ao longo de uma alameda para obter o primeiro carimbo (da saída), no brevet; apesar do grupo se deslocar muito devagar num anda e pára, rapidamente ficamos junto do speaker.

Eu exibo uma miniatura da bandeira portuguesa fixada sobre o meu alforge, o que fez com que se ouvisse no sistema de som “Portugaal”.

Vejo no chão um tapete eletrónico de leitura da passagem das bicicletas,  há uma estrada, muita gente na berma, “allez, allez… merci”, campos verdes, ciclistas e o som dos pneus no alcatrão. Terminaram todas as preocupações dos últimos dias; é como se já tivesse terminado uma parte do PBP; fico com a sensação que agora é só “esperar” que as horas passem e as coisas aconteçam… que surjam as vilas e aldeias, os postos de controlo, irá anoitecer, amanhecer e eu não precisarei de fazer nada para que isso aconteça; – basta pedalar.

Na verdade, é sem surpresas ou imprevistos que as horas vão passando e os quilómetros (e a fadiga) se vão acumulando, até que, já perto de Loudeác (400 km), surge um alarme – uma picadela que no joelho que se vai tornando cada vez mais intensa. Sem saber se aquilo era apenas uma questão passageira, ou o início de um processo que me poria fora do evento, baixo a intensidade da pedalada e decido que quando chegasse a Loudeác procuraria ajuda médica no posto de controlo; chegado ao posto de controlo, sigo a sinalética da ajuda médica, e sou recebido por um enfermeiro, seguindo-se uma interminável conversa/questionário, que tem a seguinte conclusão: “o médico está em Brest e sem ordem do médico não podemos aplicar nada”. O investimento de cerca de 1 hora para tentar resolver o problema do joelho, como eu estive sempre sentado, saldou-se por 1 hora de descanso para o joelho.

Vou andando, expectante de como estaria a evoluir a maleita, ora parecia que estava a aumentar, ora parecia que nem tanto, será mais sensato fazer a pausa antes de Brest? é caso para alterar o plano?

Vou pedalando e escutando o joelho, quando oiço a chegada de uma notificação no telemóvel – era no WhatsApp, a seguinte mensagem: “Olá, estou com um joelho não cooperante. Pelo sim pelo não: se alguém souber como voltar de Brest para Rambouillet sem ser montado na bicicleta por favor partilhe,  obrigado!”. E não tinha sido eu quem escreveu isto… mas as respostas certamente iriam apontar-me o melhor caminho Brest – Rambouillet. Novas mensagens WhatsApp (em resposta ao pedido de ajuda anterior); era o José Almeida, que em vez de dar a morada de uma estação de comboio diz “Coragem amigo, isso passa…”, o José Mota “Sim, continua… não pares por esse motivo”.

Perante isto, eu lá continuei até Brest, para jantar, e depois até Plougastel, para dormir, conforme combinado com o José Ferreira, que já estava de banho tomado. O banho e a noite bem dormida foram importantes para atenuar o problema do joelho, que no entanto, continuou a ser o centro das minhas atenções no dia seguinte, que com todas as cautelas, lá permitiu ir fazendo o caminho de volta, e chegar a Fougères dentro do horário previsto.

Em Fougères, para encontrar o hostel, dada a pouca convicção do GPS, ainda dei duas voltas à cidade antes de ir dormir…

Apesar de eu não ter ouvido o alarme do telemóvel, à hora marcada estávamos a abandonar o hostel em Fougères; havia muitos ciclistas, tal como nós, a prepararem a saída da cidade; ouvi falar castelhano, era um grupo que me pareceu organizado, juntei-me a eles, e saí; já fora da cidade, reparei que essa não foi a opção do José Ferreira; fiquei a pensar que o José talvez tivesse ficado à procura de um reforço de pequeno almoço… era o que eu precisava, e não podia ser adiado por muito tempo; o andamento tornou-se muito intenso para o meu padrão, e além disso, de barriga vazia e com um joelho que, apesar de não estar desconfortável, não permitiria grandes ousadias, deixei-os ir e retomei o meu andamento de conforto, sempre atento a qualquer coisa junto à estrada de onde pudesse sair um “café au lait” e um “croissant”.

Mais confiante com o meu joelho, agora a cooperar melhor, pelas 10:00 horas cheguei a Villaines-la-Juhel, cidade que tradicionalmente faz da passagem dos ciclistas pela cidade e do posto de controlo aí situado, uma festa com imensa gente na rua, speaker, ruas sem carros, corredores para as bicicletas e muitas palmas a cada ciclista que chega ou parte.

Resolvidos todos os pendentes neste posto de controlo, vamos lá seguir, são 80 km até Mortagne-au-Perche, onde tenho previsto almoçar. Almocei calmamente, resolvi um problema com o meu telemóvel, o que me deixou mais disponível para me focar nos quilómetros que faltavam pedalar. Agora faltava chegar a Dreux para faltarem 45 km para terminar; (a nossa mente por vezes tem necessidade de organizar as coisas de forma rebuscada).

Em Dreux, comi fruta, não me demorei e saí; na estrada havia muitos ciclistas sem pressa. Olhei para trás e estava a acontecer o pôr do sol. Tirei esta foto, vesti o colete, anoiteceu e esperei que Rambouillet chegasse.

Feitas as contas:

Obrigado aos Randonneurs Portugal, personalizado nas pessoas que têm mantido este projeto de pé e aos voluntários que permitiram que os brevets acontecessem.

Parabéns a todos, foi um gosto fazer parte deste grupo.

  • Lynskey Peloton Titanium;
  • Campagnolo Chorus group set 2×12 speed;
  • Continental Grand Prix 5000;
  • Son Hub dynamo / Edelux II DC;
  • Brooks Cambium C17;
  • Apidura Expedition Saddle Pak 17 Lt;
  • Assos Bib Shorts 2019.